A DELICADA E CALEJADA MÃO

“Não tô nem aí para o que os outros falam. Faço qualquer coisa pela dignidade de minhas filhas. Eu não vejo dificuldade em participar das aulas, nem de vir ajudá-las nos movimentos.”

– JOILSON DOS SANTOS JESUS

O baiano Joilson Santos de Jesus, 54 anos, é um pedreiro de mão cheia na cidade de Feira de Santana, BA, e região. Levantar muros, chapiscar, fazer piso e contrapiso exigem mãos fortes. E as mãos de Joilson estão calejadas pelos anos na construção. Mas, também, sabem ser delicadas, expressivas, quando está ensaiando ou se apresentando com as filhas Isabele e Iasmim, de 8 e 10 anos, respectivamente.

As meninas são autistas e, por elas, o pedreiro não rejeita desafios. Como ensaiar movimentos de balé com elas, nas aulas do Ballet Azul (cor que representa o autismo), programa que faz parte do Projeto Arte de Viver, mantido gratuitamente pela Prefeitura de Feira de Santana. Todas as bailarinas do grupo são autistas. Desde março, Joilson tem se alternado entre os canteiros de obras e a dança.

“Trabalho como pedreiro há vinte anos, é um trabalho autônomo, faço tudo em construção civil. Eu morava em São Paulo, era motorista de ônibus, mas resolvi voltar para a minha terra, a Bahia, e consegui um emprego de motorista. Também fazia alguns bicos como ajudante de pedreiro. Mas, quando fui ver, como ajudante de pedreiro eu estava ganhando mais do que como motorista. Aí acabei optando por trabalhar somente como pedreiro. E estou aí até hoje. Aprendi a construir com um amigo, que é mestre de obras, recebe muitos serviços, e agradeço a ele por ter me ensinado a profissão”, conta Joilson.

O trabalhador da construção civil é o único homem entre as mães de outras oito alunas na primeira turma do Projeto Azul. Fato que não o incomoda. Duas vezes por semana, às quartas e sextas-feiras, o pai deixa de lado as ferramentas de trabalho para ir ao estúdio, no Centro Cultural Maestro Miro, em Feira de Santana.

Joilson faz par com a filha mais nova, Isabele, a quem serve de mentor dos passos adaptados pelo professor Adauto Silva. Sua mulher, Jacqueline Amorim, 43, fica responsável por fazer par com a filha mais velha, Iasmim.

O pai das meninas conta que tomou conhecimento do projeto durante as consultas médicas no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial). “Eu não planejei participar do balé, mas como as crianças precisavam de acompanhamento, não podia deixar uma de minhas filhas sem par”.

Os meses de ensaio renderam aos mentores uma apresentação pública ao lado das crianças, em agosto passado, o que a fez notícia da participação de Joilson se espalhar pela cidade.

“É muito bom acompanhar as minhas filhas nas aulas de balé. Quando posso, sempre estou com elas. Às vezes fico alguns dias sem vê-las, quando pego trabalho fora de Feira de Santana, mas quando volto para casa as minhas filhas são prioridade”, enfatiza. Quando fica algum tempo fora de casa, a filha mais nova Isabela reclama a ausência do pai. A solução foi gravar um vídeo com Joilson, que a mãe exibe orgulhosa no aparelho celular. “Só assim ela se acalma”, diz.

“Eu sempre tive a rotina de sair para o trabalho de manhã e voltar meio dia para casa. Ficava com elas, voltava ao trabalho à tarde e, à noite, eu nunca saia de casa. Em dez anos, esta é a primeira vez que estou trabalhando fora da cidade e passando tanto tempo longe das meninas, por isso surgiu a ideia de gravar um vídeo”, diz.

A presença de Joilson nas aulas de balé causou muitos comentários no Projeto. “Não tô nem aí para o que os outros falam. Faço qualquer coisa pela dignidade de minhas filhas”, diz orgulhoso o pedreiro. E complementa: “Eu não vejo dificuldade em participar das aulas, nem de vir e ajudá-las nos movimentos”.

E faz uma recomendação aos pais que também têm filhas com autismo. “Eu diria para outros pais para não ligar para que os outros vão falar, porque alguns pais saem e sentem vergonha do comportamento da criança; e eu não tenho vergonha. As minhas filhas podem fazer o que quiserem na rua, e eu não vou ter vergonha delas nunca. Não me importo com que os outros possam falar, são as minhas filhas”.

Antes de começar as atividades do Arte de Viver, Joilson tinha uma rotina agitada, pois as filhas correm bastante, se exercitam muito. “Isso é muito bom, porque, sempre que posso, acompanho as meninas, correndo atrás para não deixar se machucar, nem cair”.

Ficar em casa com as filhas é uma das melhores coisas de que o pedreiro mais gosta: “A minha maior alegria é acordar todo dia de manhã, vê-las sorrir e me dizer: ‘Bom dia papai’, e já pedem para sair. Isso é bom demais, todo dia poder ouvir a voz delas”, conta, cheio de orgulho.

Depois do Ballet Azul, do Programa Arte de Viver, as meninas mostram um grande avanço no relacionamento com outras meninas e grupos. “Por causa do problema, precisávamos frequentar o CAPS – Centro de Atenção Psicossocial – uma vez na semana. Mas depois que nos apresentaram o Arte de Viver, diminuímos as visitas e passamos a frequentar o projeto duas vezes na semana, às quartas e sextas. Estão tão envolvidas na dança que já tomam a iniciativa de elas mesmas procurarem as roupas, e estão melhorando, estão se relacionando com outras pessoas”, conta.

Na sala da casa de dois quartos, cozinha e banheiro, no bairro Viveiros, em Feira de Santana, Joilson improvisou uma linha com fita isolante preta para que as meninas possam praticar o equilíbrio nas pontas dos pés durante os exercícios com os pais nos finais de semana, quando não têm aula.

No início do tratamento, foi receitada uma grande quantidade de remédios a Isabele e Iasmim, o que deixou o pai assustado. Mas o balé tem ajudado e elas estão bem mais tranquilas. “Antes, uma delas se mordia, e as duas batiam a cabeça no chão. Quando passaram a participar das aulas, a administração dos remédios ficou mais tranquila e melhoraram muito de comportamento. Depois que passou a frequentar as aulas, Isabele evoluiu para a comunicação verbal, pronunciando as primeiras palavras” diz. Joilson destaca que a profissão de pedreiro, além de garantir o sustento da casa, o possibilita cuidar melhor das filhas.

“A minha rotina é muito boa como pedreiro, pois, qual emprego me daria essa flexibilidade para aproveitar ou acompanhar as minhas filhas? Então, eu procuro trabalhar para mim, com meus bicos, para conseguir mantê-las e, nos dias certos, estar presente nas aulas”, explica.

E espera que o mercado de construção melhore na região. “Ultimamente, o emprego está muito difícil na região, mas, como eu trabalho como autônomo, encontrei um emprego fora da cidade, fui para lá. Mas o ideal mesmo é ficar em Feira de Santana”, desabafa.

O próximo passo, conta, é encontrar uma escola que esteja apta a receber as filhas. A mais velha chegou a frequentar aulas tradicionais, mas parou. A preocupação dos pais é fazer com que as meninas sejam independentes. “Eu não vou viver para sempre. Preciso ter a tranquilidade de que elas saibam se virar. Por elas, eu vou catar latinhas, pegar recicláveis para não deixar faltar nada”, diz.

Depois dos resultados com a primeira turma de crianças com Transtorno do Espectro Autista – TEA – no Ballet Azul, o Arte e Viver abriu uma nova modalidade de atividades, a Capoeira para autistas.